Srta. K.M., minha amasia, mudou-se para uma longínqua cidade do médio vale. Lá, ela exerce o nobre ofício de juíza ad-hoc.
Eu, que sou um despossuído, preciso me valer dos serviços da Auto Viação Catarinense para ir ao seu encontro e lá trocarmos juras de amor eterno.
Dessa forma, com o intuito de rever Srta. K.M., lá estava eu, sentado solitariamente num banco da rodoviária de Blumenau, aguardando meu busão.
Enquanto esperava, eu observava preocupado o constante desembarque de mais paranaenses naquela rodoviária. No entanto, todas as outras atenções se voltavam para uma televisão fixada no teto. Nela estava sendo transmitido o funeral do dito Rei do Pop, Michael "pedófilo" Jackson, também conhecido como wacko jacko.
De onde eu estava sentado, tinha-se uma visão privilegiada da televisão. Infelizmente, havia um lugar vago do meu lado.
Nisso, um cara alto, meio barrigudo com a barba por fazer me pergunta: "tem alguém sentado ai?", apontando pro assento do meu lado. Digo que "não", e volto a observar o movimento suspeito de uma família de paranaenses que acabará de desembarcar. Sorrisos estampavam seus rostos, enquanto eles certamente já planejavam a forma mais hedionda de atentar contra o patrimônio, a vida e a saúde dos catarinenses de bem.
Meus medos então se materializam, o cara que acabará de sentar ao meu lado começa a puxar papo. O assunto, pra variar, era a porra do enterro do Michael Jackson.
- "Como é que pode né. Se fosse um pobre, eles botavam num saco preto e mandavam pra aula de anatomia da FURB", o cara me disse.
- "Pois é", respondi friamente.
Insensível, o cara continuou me amolando com detalhes das bizarrices do Michael Jackson, sem nunca se distanciar do "lugar comum".
Em dado momento, pensei para comigo mesmo enquanto o cara tagarelava: "quer saber de uma coisa, em que pese minha personalidade anti-social, eu vou ter que ficar uma hora de bobeira aqui mesmo, então ou fico assistindo um velório transmitido em cadeia nacional, ou eu converso com o cara". Afinal de contas, ele não parecia ser de todo o mal.
- "Imagina, com toda a grana que esse cara tem, ele podia comer a mulher que ele quisesse", o cara afirmou.
- "É verdade, mas eu acho que o negócio dele era outro, se é que você me entende", respondi exercitando o talento humorístico que me rendeu diversos convites para integrar o quadro de roteiristas do Zorra Total.
O cidadão riu, confirmando minha suspeita de que eu sou um cara muito engraçado mesmo.
Nisso, entra em cena uma morena usando um boné azul, blusa de oncinha e uma calça de ginástica estilo "topa tudo".
- "Olha só aquela morena, eu já tinha visto ela antes quando fui comprar minha passagem. Olha só que cara de cachorra", o cara exclamou enquanto secava descaradamente a moça.
- "É. Acho que sim", respondi sem entrar muito em detalhes, pois sou um rapaz de família. Apesar de que eu tinha que concordar: a guria tinha mesmo cara de "cachorra".
- "Cara, uma vez conheci uma mina lá na rodoviária de Curitiba...", o cara começou a me contar, "...e ela me disse que tava indo a Brusque visitar uns familiares, dai falei que eu também era de Brusque e ficamos conversando. Isso foi numa quinta-feira. Dai, naquela sexta-feira eu e uns amigos fomos na Boate Monte Verde lá em Brusque. Tu conhece?", ele interrompeu sua história pra me perguntar.
- "Conhece o que?", perguntei.
- "A Boate Monte Verde", ele tornou a perguntar.
- "Não", respondi. De fato não conheço, mas me pareceu que se tratava de algum tipo de igreja aonde só trabalham abnegadas moças evangélicas e virgens.
- "É uma boate muito famosa lá em Brusque. Dai eu tava lá com os meus amigos tomando uma cerveja e adivinha quem eu vejo?!", o cara volta a me perguntar super empolgado.
Antes que eu pudesse responder, ele continuou: "aquela guria da rodoviária de Curitiba! Dai fui lá bater um papo com ela. Ela me disse que 'trabalhava' lá e pediu desculpas por ter mentido pra mim. Eu disse que não tinha problema algum, que ela não devia satisfação pra ninguém. Então ela me disse que trabalhava ali até a uma da manha e depois estaria livre. Dai quando deu uma da manhã, fomos eu e ela para o motel".
- "Ah, ok", respondi meio receoso, esperando que essa história já tivesse chego ao seu fim.
- "Cara, dei uma ferrada nela que foi até bonito", concluiu o cara orgulhoso de si mesmo.
- "Ah, legal", e voltei minha atenção para o enterro do Rei da Pedofilia, digo, do Pop.
Infelizmente, o brusquense tinha mais feitos sexuais seus para me relatar.
- "Cara, uma vez fui pra Ilhéus levar uma carga de arroz...", o cara era caminhoneiro, "...e fui numa zona lá. E tinha uma morena, meu amigo, coisa de cinema. Parecia a Sheila Carvalho. Dai cheguei pro dono da zona e perguntei quanto custava o programa com ela. O cara respondeu que ela era a mais cara da casa, pois era a preferida de um bandidão. Mas eu falei que não importava, pois queria pagar pra ver. O dono da zona disse então que o programa com ela custava cem reais. Cara, a mulher era linda e tava vestida de social dos pés a cabeça, mas quando fomos pro quarto e a ela tirou a roupa... Que decepção", ele afirmou pesaroso.
- "Por quê?", perguntei curioso.
- "Ah, cara, era tanta celulite que quase perdi a vontade de fuder..."
- "Propaganda enganosa", comentei.
O brusquense riu e concordou. Cara, eu sou muito engraçado mesmo.
- "Mas é isso, tenho que ir, pois não quero perder meu ônibus pra Brusque."
Despedimo-nos e eu jurei para mim mesmo que nunca mais iria conversar com estranhos em rodoviárias.