quinta-feira, 18 de junho de 2009

A Pasta do Absurdo

enchente blumenau 2008

De todos os bens materiais de minha propriedade que se esvaíram em lama naquela fatídica noite de novembro, uma das maiores perdas foi a "pasta do absurdo". Ela estava cuidadosamente guardada em uma gaveta de meu antigo quarto. Mas meus singelos cuidados não foram de nenhuma serventia, quando confrontados com a destrutiva força da mãe natureza.

É sabido dos leitores deste blog, que durante 4 anos da minha miserável vida labutei arduamente na 8ª Junta de Conciliação e Julgamento da Justiça Trabalhista de Witmarsum.

É sabido dos leitores deste blog, também, que no Judiciário tramitam um sem fim de ações, das mais variadas naturezas, versando sobre as mais distintas questões. Em sua grande maioria, os litígios que buscam guarida no nosso Poder Judiciário são a representação maior da miséria humana. A prova viva de o quão mesquinhas e egoístas são as pessoas em geral. E por óbvio, essas pessoas não vêm ao Judiciário buscar justiça, mas sim o lucro fácil, a vingança, et cetera.

Dito isso, você já pode imaginar todo tipo de bizarrices que podem ser encontradas nos processos que tramitam nos fóruns.
tribunal de justiça
Ocorre que a maioria dos servidores do sodalício barriga-verde folheiam apressados e desatentos esses processo, ignorantes das pérolas que toda demanda judicial esconde. Erros grosseiros de ortografia por pessoas que se dizem "doutores", mentiras deslavadas, teses de defesa inverossímeis, enfim, essas coisas passam despercebidas pelos cartorários desavisados, cuja atenção se foca exclusivamente nos ponteiros de um relógio precariamente pendurado na parede.

Assim, eu que sou uma pessoa com uma série de transtornos psicológicos, com uma personalidade voltada para coisas escrotas, vi ai uma oportunidade de ouro: fazer uma pasta com cópias de coisas absurdas achadas em processos judicias!

Brilhante!

Nos primeiros anos, quando ainda trabalhavam naquela unidade jurisdicional o dream team dos cartórios cíveis, formado por mim, monk, louco imóveis, senhor ivan e senhor das trevas, a coisa ia de vento em poupa, todo dia novas pérolas eram adicionadas a pasta, pois era grande o comprometimento de meus colegas com a "pasta do absurdo" e a mensagem que ela carregava. Ela seria o legado que deixaríamos para o mundo, e eu sonhava com o dia em que ela seria lançada em capa dura nos mais variados idiomas, preenchendo estantes mundo a fora.

Mas o tempo foi passando, todos foram seguindo suas vidas e quando eu vi, eu era o único remanescente do dream team naquela vara. Pra piorar, meus novos companheiros de trabalho faziam pouco caso da "pasta do absurdo". A partir desse período conhecido como "pós-monk", eu ainda toquei sozinho a empreitada por algum tempo, compulsando cuidadosamente cada página, procurando pela próxima pérola que viria a integrar a pasta. Mas aos poucos o sonho foi morrendo, e eu me tornei uma pessoa infeliz e amargurada com a vida. Transformação que acabou culminando em minha demissão sumária nos idos de 2008, quando fui acusado de exigir favorecimento sexual de advogadas recém formadas para agilizar, ou retardar, o andamento de certas lides.
martin luther king jr
Quando recebi a notícia, eu sabia que meus pares não estavam comprometidos com o ideal da "pasta do absurdo", talvez eles a engavetassem em uma gaveta inacessível, ou até a jogassem fora depois que eu fosse embora. Lá no fundo, a chama da "pasta do absurdo" ainda queimava em mim, então eu não poderia deixar isso acontecer. A pasta era meu legado e deveria ser guardada e revelada ao mundo no momento oportuno. Então, quando parti, levei-a comigo e guardei-a cuidadosamente numa gaveta ao lado de minha cama.

Mal sabia eu que poucos meses depois a fúria da natureza se abateria contra o Vale Europeu, destruindo tudo pela frente, inclusive minha antiga residência, e com ela, a "pasta do absurdo"...

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