sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O causo do hotel em Caxias (tomo III)

... Continuação

Não deu dois minutos, ouvimos passos no quarto de cima. Ouvia-se, distintamente, o barulho produzido pelo andar de alguém usando salto alto, presumivelmente uma mulher.

Logo depois, fez-se um estrondo, como se alguém tivesse se jogado na cama ou tivesse jogado os saltos no chão ou as duas coisas. Ato continuo, pareceu nos que a cama do andar de cima começava a ranger, cada vez mais alto e em intervalos menores, como se alguém estivesse fazendo algum tipo de movimento de vai-vem sobre ela em velocidade progressiva.

Especulamos que alguém poderia estar limpando a cama, ou talvez que alguma criança estive pulando nela, mas antes que pudéssemos concluir qualquer coisa, o ranger enferrujado da cama atingiu seu ápice, sendo então subitamente interrompido, tal qual o silêncio cadavérico que se segue ao climax.

Era a última peça do quebra-cabeça que faltava.

Ao lado de uma zona, gigantesco espelho na parede, preços módicos, só podia ser algum tipo de matadouro destinado aos putanheiros caxienses, desejosos de dar uma rapidinha na hora do almoço ou antes de voltar pra casa. Talvez esse não era o único fim daquele "hotel", mas por certo ele se prestava a esse tipo de coisa.

- Que merda - Tonho sentenciou.

- Acho melhor a gente ir dar uma volta e só voltar a noite, pra dormir - sugeri.

Tonho assentiu com um movimento pesaroso de sua cabeça. Embarcamos no carro e vagamos a esmo por um tempo.

Às margens da Avenida Júlio de Castilhos, avistamos uma confeitaria denominada "Q-Delícia". Resolvemos parar ali e bater um rango. Ato contínuo, nos dirigimos até o Shopping Iguatemi Caxias, onde matamos mais um tempo. É de se mencionar que, nesse shopping, o estacionamento era gratuito, ao contrário do que se vê aqui na nossa região.

Era cedo ainda, nem 19hrs, mas estávamos acordados há mais de 12 horas, 6 delas na estrada. Longas viagens, às vezes, são mais cansativas que qualquer atividade física. Com os olhos semicerrados, decidimos voltar para o hotel e dormir.

De volta ao quarto de n. 3, além de alguns passos ocasionais no corredor e de algumas gargalhadas distantes, nada mais se ouvia. Fatigado, cai na cama. Porém, antes que eu adentrasse ao maravilhoso mundo dos sonhos, mais uma vez ouvimos passos no andar de cima, mais uma vez os passos foram seguidos por um estrondo, mais uma vez ouvimos a cama ser castigada pelos movimentos pélvicos de alguém. E essa sequência de sons imorais se repetiu incessantemente, durante toda a noite, tanto é que na manhã seguinte, ali pelas 7 horas da manhã, acordei com o chiar libidinoso daquela sofrida cama. Imagine, 7 horas da manhã e alguém já estava mandado ver. Só não conseguimos descobrir se se tratava do mesmo casal a noite inteira ou se havia algum tipo de rotatividade.

Penso eu que eram casais diferentes, pois, as vezes, podia-se ouvir a fêmea gemendo ruidosamente, outras vezes não. Tonho, por sua vez, acredita se tratar do mesmo casal a noite inteira..

Enfim, em razão de meu convívio com Putanheiro-Mor e Roxinho, eu já estou habituado ao submundo da libertinagem e não me deixei perturbar pelo "movimento" no quarto de cima, e logo adormeci, acordando só alguma vezes, quando o ranger daquela sobrecarregada cama se tornava mais intenso, apagando logo em seguida.

Tonho, de outra banda, rapaz provinciano e devoto de Santo Expedito, deixou-se transtornar pelos sons que ouviu aquela noite, praticamente não tendo pregado os olhos.

Como dito, acordei às 7 horas da manhã com a cama do andar de cima já sendo maltratada. Tonho, vendo que eu acordará, disse furioso: "porra, olha os dois de novo, até parecem coelhos", relatando-me, em seguida, tudo que tinha ouvido após o cair da noite.

Disse ele que, enquanto "a galera" mandava ver no quarto de cima, em outro quarto longínquo pôde se ouvir o som de um serrote por várias horas, fato que impressionou Tonho de sobremaneira. Além disso, segundo Tonho, a movimentação nos corredores foi intensa a noite toda, com pessoas indo e vindo o tempo todo, às vezes em silêncio e às vezes rindo e falando alto.

Ainda muito perturbado por aquela experiência, Tonho se apressou em arrumar suas coisas e logo quis que fizéssemos o check-out. Ainda meio marejado do sono, só acordei de verdade quando pude ver o colchão que se escondia sob o lençol. "Puta que o pariu", pensei - durante a noite o lençol se desprendeu da cama e revelou um colchão, outrora branco, que havia adquirido uma tonalidade ocre, e que estava repleto de manchas, cuja origem preferi ignorar. Preocupado de que teria contraído alguma doença sexualmente transmissível ao ter entrado em contato com aquele colchão pútrido, tomei um vigoroso banho. Embaixo do chuveiro, chorei silenciosamente, sentido-me imundo por ter repousado meu alvo e imaculado corpo naquela colônia de excrescências.

Pegamos nossas coisas e nos dirigimos até a recepção. Pagamos os 48 mangos da diária e fizemos o check-out.

Aliviados, pegamos o carro, paramos num posto pra comer alguma coisa e depois nos dirigimos ao local de prova.

Eu, que sou um rapaz superdotado, tanto intelectual quanto falicamente, terminei a prova de 80 questões em menos de 2 horas.

Depois, finalmente, pudemos retornar ao glorioso estado de Santa Catarina, onde as noites são silenciosas e os colchões, límpidos...

Nenhum comentário: