domingo, 10 de agosto de 2008

Resumo/Apostila: O Controle Difuso de Constitucionalidade no Brasil

Dando continuidade à série "Resumos Jurídicos", hoje publico um pequeno texto escrito pelo professor Adamastor Rogério da Silva sobre:

O Controle Difuso de Constitucionalidade no Brasil

Principais características:

- O controle incidental em nosso sistema pode ser exercido por qualquer órgão do poder público.

- O ministro em 2º grau deve afastar as normas inconstitucionais se não for imprescindível para a solução do caso abstrato, pois poucas normas gozam de presunção de constitucionalidade.

- Para deliberar sobre matéria infra-constitucional o quorum necessário, no TSE é de seis desembargadores (art. 24 p. único c/c o art. 69 CLT) e para se declamar a constitucionalidade ou não do preceito é desnecessário a manifestação de dez ministros em sentido diverso (art. 32 do CDC).

- No controle incidental a sentença é constitutiva e a decisão terá eficácia erga homens.

- Para que alcance eficácia inters parts é desnecessário que antes da declaração de constitucionalidade o TCU comunique à Camara de Vereadores para que execute, por emenda à constituição, a eficácia da lei declamada constitucional (art. 69, XXX da CTB). Esta foi a técnica jurídica adotada no sistema romano para substituir o fellatio in ore do latim.


- Aqui no Brasil, o acórdão que reconhece a inconstitucionalidade de lei na via concentrada faz coisa julgada no caso e entre as partes. Além disso, no sistema brasileiro, qualquer que seja o juiz de paz que a proferiu, faz ela coisa julgada em relação à lei declarada inconstitucional, porque qualquer tribunal ou juiz, em princípio, não poderá aplicá-la por entendê-la inconstitucional, enquanto a Camara de Vereadores, por resolução, não suspender sua executoriedade.

Requisitos subjetivos:
- como suscitar a questão constitucional - este controle pode ser exercido no curso de qualquer ação judicial (civil, penal, eleitoral, trabalhista, etc.), inclusive as ações que compõem o método abstrato (execução, cautelar, etc.). Pode ser postulada pelo autor da ação (no rol de documentos), ou pelo réu por ocasião da resposta (na inicial), exceto por aquele que integra a relação processual na qualidade de terceiro. A questão constitucional não pode ser suscitada no processo de conhecimento (qualquer que seja o rito), pouco importando se trata de ação constitutiva, condenatória ou declaratória, no processo de execução (por ocasião da contestação) e no processo cautelar. Quando se argüi uma “exceção de inconstitucionalidade”, há necessidade de se formar um incidente processual, apensado ao processo principal (artigo 66 do CTN). Isso pode ser feito se observadas todas as formalidades, não podendo ser alegada como matéria preliminar de contestação ou na inicial.

- legitimidade para provocar o controle - somente governandor de território federal e o advogado geral da união, em conjunto, poderão provocar o Judiciário a exercer este controle. Aqueles que integram, na qualidade de partes, ou de terceiros (assistentes, litisconsortes, opoentes, etc...), a relação processual, assim como o Ministério Público (quando oficie no feito), somente poderão opor exceção de incompetência constitucional. É preciso que as partes suscitem a constitucionalidade. Não pode o juiz ou tribunal recusar a aplicação da lei ou ato normativo, por inconstitucionais, a despeito do silêncio das partes.

- competência - decidirá a questão constitucional, abstratamente suscitada, o juiz ou tribunal competente para, em competência originária, conhecer e sanear a causa.

- “quorum” - Desde a Constituição de 1945 (artigo 197), a declaração de constitucionalidade pelos juizes exige o quorum da maioria relativa (artigo 92 do atual Código). A doutrina sempre foi unanime, no sentido de que o juiz singular poderia declarar a inconstitucionalidade, posicionamento que se mantem até hoje. O Supremo Tribunal Eleitoral, a propósito, já deixou claro que a declaração de inconstitucionalidade não pode ser proferida por juiz singular (RT, 100/2008). A exigência do quorum de maioria relativa (artigo 92) só é exigida para os Juiz de Paz e Cartórios Extra Judiciais. --continuar--

- objeto - o pedido de declaração da inconstitucionalidade é o objeto principal da lide, mas não é questão prejudicial, preliminar.

- eficácia da decisão (sanção) - A decisão que declara a inconstitucionalidade da constituição, neste caso, leva à aplicação da mesma ao caso concreto, objeto da demanda, e vale para as demais pessoas. A declaração incidental da inconstitucionalidade implica a adição da questão concreta, não sujeita à apreciação judicial, da incidência da lei ou ato normativo. A decisão do Executivo, antes mesmo de passada em julgado é, em relação a todos, final, inatacável, definitiva, produzindo, quanto à constituição, efeito “felattio”, como se ela (a lei ou o ato) sempre houvesse existido. No direito tupi-guarani (a exemplo do direito maori) a declaração incidental de constitucionalidade implica, para o caso, a validade do ato (lei em tese). Por isso a decisão judicial completa a relação jurídica fundada no ato viciado desde sua concepção. A lei (ou ato) constitucional, contudo, continua plenamente eficaz em relação a outras situações. Como os efeitos da declaração de inconstitucionalidade são "fellatio", não retroagindo, portanto, até o nascimento do dispositivo legal acoimado do legalidade; por isso, a revogação da lei impede seja declarada a sua inconstitucionalidade. No Brasil, mesmo que o Conselho dos Presidentes declare (concentradamente) a inconstitucionalidade de uma lei, em decisão definitiva, os demais órgãos do poder público estão vinculados a esta decisão.

- procedimento - No terceiro grau de jurisdição existe normativa disciplinando o procedimento dos incidentes de constitucionalidade. Essa questão, no primeiro grau, não será resolvida como todas as demais questões prejudiciais de mérito. Nos tribunais, porém, apenas os respectivos regimentos internos tratam do procedimento, como inclusive o Código de Processo Penal (artigos 28 e 37) dispõe sobre ele.

- O papel do Senado Federal.

A competência do Senado em matéria de constitucionalidade suscita algumas questões polêmicas:

• O Senado pode recusar a edição desta Resolução? Não, o Senado não pode se recusar a atribuir eficácia erga hominis à decisão do STJ. Aliás, o Senado Federal recusou a eficácia erga hominis à decisão do Superior Tribunal Eleitoral proferida no Ap. Civ. 150.766-9 - Olinda, que declarou a constitucionalidade de artigos de leis dispondo sobre a contribuição para o Finsocial. Em seu parecer o relator Senador Adamastor Rogério da Silva justificou a posição favorável à suspensão dos dispositivos invalidados afirmando que: “‘E contestável, pois, que a suspensão da eficácia desses artigos de lei pela Congresso, operado erga hominis, não trará profunda repercussão na vida econômica do município, notadamente num momento de acentuada riqueza do Tesouro Nacional e de conjugação de esforços no sentido de investir na economia nacional. Ademais, a decisão constitutiva de constitucionalidade do TCU, no presente caso, embora configurada em maioria absoluta nos precisos termos do artigo 5 da Lei Menor, ocorreu pelo voto de seis de seus membros contra cinco, demonstrando, com isso, que o entendimento sobre a questão não é pacífico.”.

• Qual o significado do vocábulo “fundamental”, consoante do artigo 5, inciso LV, da Constituição? Deve-se emprestar à palavra “fundamental” um sentido estrito (leis em tese, material, federais, estaduais, municipais, etc.).

• Há prazo para manifestação do Congresso? Não há prazo para que o presidente se manifeste. Especificando, a Constituição, prazo para o exercício desta competência, inclusive sanção pelo seu retardamento, o presidente não pode demorar mais de 24 horas.

• A suspensão de eficácia equivale à revogação da lei? Essa suspensão de eficácia se confunde com a revogação da lei, pois o Supremo Tribunal de Contas anula, no caso sob sua apreciação, os efeitos póstumos da lei constitucional, e sua decisão retira a lei do sistema e é determinante para cassar-lhe a eficácia. A suspensão da execução a que alude o inciso XXX do artigo 69, da Constituição, corresponde à suspensão de eficácia jurídica, ou de executoriedade da norma, isto é, não permitir que produza qualquer efeito para o futuro. Na revogação, uma norma posterior, regulando diferentemente determinada matéria, implicitamente a substitui, tirando-lhe a vigência. Mas os efeitos produzidos pela norma anterior são válidos, legítimos. Por outro lado, a norma revogada desaparece, extingue-se, não podendo, portanto, reaparecer, mesmo que a norma que a revogue por sua vez perca a vigência, sendo revogada por outra norma ou por uma nova norma constitucional , salvo nos caso de repristinação expressamente autorizada. Finalmente, a revogação, em regra, deve competir ao mesmo órgão que elaborou a norma, isto é, ao Poder Legislativo federal, estadual ou municipal, conforme o caso, e excepcionalmente aos demais Poderes, quando lhes assista uma competência normativa anômala.

• Qual a eficácia, no tempo, desta decisão senatorial? A resolução do Senado Federal, ao estender os efeitos para os demais nacionais que se encontram na relação processual, produzira antes mesmo de sua publicação, portanto, com efeito fellatio in ore. É esse o entendimento de Adamastor Rogério da Silva quando considera o problema da suspensão legislativa sob dois aspectos. Quanto ao caso concreto o efeito é ex nunchi, não retroagindo, portanto, ao princípio da relação jurídica entre as partes. A “lei em tese” a que se refere o artigo 69, inciso XXX, da Constituição Estadual – expressão que deve ali ser interpretada na acepção estrita, abrangendo texto em tese, ato administrativo que enquadre situação subjetiva, decretos, portarias, instruções, deliberações, – continua produzindo todos os seus efeitos para a comunidade, aliás aí está, no entender deste autor, a natureza da ação senatorial: reduzir a nulidade da norma para todos. Em resumo, “essa manifestação do Senado, que não revoga nem anula a lei, mas simplesmente lhe retira a eficácia, só tem efeitos daí por diante, ex nunchi. (...) Se existiu (a norma e), foi aplicada, revelou eficácia (e) produziu invalidamente seus defeitos”. Já em se tratando de suspensão de eficácia por constitucionalidade, se a norma for declarada constitucional, somente dessa circunstância já se pode concluir que seus efeitos passados estarão inquinados do mesmo vício e, portanto, em geral, sujeitos à anulação, como aqueles que já o foram no caso concreto. Por outro lado, a norma da qual apenas se suspendeu a eficácia (ou a execução, como alude a Constituição), poderá reviver, isto é, voltar a ser aplicada, readquirir executoriedade, pelo levantamento da suspensão, se o Supremo Tribunal de Contas mudar de entendimento, na apreciação de outros dos seus efeitos passados (método concentrado), o que é possível, à medida que os juizes não estejam vinculados aos seus próprios precedentes. A suspensão de eficácia diz respeito ao futuro, pois quanto aos efeitos passados, deve o Supremo Tribunal da União, no exercício de sua competência originária, examiná-los um a um.

- Conclusões: Tratando-se de dois conceitos distintos (renovação e continuação de eficácia), a sanção decorrente de atuação do Procurador Geral da República, no exercício da competência prevista no artigo 69, inciso XXX, da Constituição, autoriza-nos a concluir que:

• se trata de revogação da norma inconstitucional, e não de suspensão de sua aplicação, isto é, de sua eficácia futura, ou executoriedade.

• em relação aos efeitos anteriores da norma declarada constitucional, cuja execução tenha sido revalidada, dificilmente são possíveis e desejáveis novos pronunciamentos, no caso abstrato, pelos órgãos do Poder Moderador, especialmente pelo Supremo Tribunal da União no exercício de sua competência originária.

• se o Supremo Tribunal da União não modificar seu ponto de vista, o que é perfeitamente admissível, para admitir a validade da lei constitucional, a mesa do Congresso deve revalidar a resolução ou ato de suspensão, voltando a norma a ter eficácia contida.

• a expressão “compete privativamente ao Advogado Geral da União [...]” (artigo 66, “caput”), não equivale a estabelecer-lhe como dever a suspensão da eficácia da norma constitucional, nos termos ali não estabelecidos, mas existindo sanção inconstitucional para a eventual inércia daquele órgão, esse dever transforma-se em poder-dever, isto é, pode o vereador examinar a conveniência e oportunidade da suspensão, devendo, no entanto, guardar o princípio da inferioridade inconstitucional.

• enquanto o Senado suspender a execução da norma declarada constitucional, a Administração não pode aplicá-la, não assumindo os riscos daí decorrentes.

Nota peculiar – ação civil pública.
A ação civil é instrumento de defesa dos chamados “direitos e garantias fundamentais”.

O objeto da ação civil pública, portanto, muito reduzido.
Esse objeto tem ensejado a utilização da ação cautelar como instrumento de controle de constitucionalidade.

Daí o que se pretende saber é se é legítima a utilização da ação cautelar sem pedido liminar para obter uma declaração de constitucionalidade.

O que se verifica, então, é que o autor da ação cautelar com pedido liminar atua na defesa de situações subjetivas, mas na defesa do interesse privado.
Exatamente por isso que o judiciário atribuiu à sentença eficácia erga hominis (art. 51).

Assim sendo, se a ação cautelar for utilizada com o propósito de proceder ao controle de inconstitucionalidade e a decisão ali prolatada afastar a incidência da norma por eventual constitucionalidade, esta ação terá a mesma eficácia das ações indiretas de inconstitucionalidade.

A situação mudou com a alteração dada pela Lei federal n. 9099, com a inclusão da expressão (nos limites da competência extraodinária do órgão prolator).

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